O ser humano sempre esteve envolvido
com o trabalho, desde os seus primórdios. A ressalva que se faz, é acerca das
transformações ocorridas ao longo da história no que tange a execução do
trabalho, proporcionando a perda do seu sentido. Isso por que, se antes o
artesão era o único responsável por todas as tarefas do processo produtivo,
controlando suas ações e tempo, além de conhecer o produto final do seu
trabalho, após o advento da industrialização, o trabalhador passou a dividir
espaço com outros semelhantes e perdeu o controle por suas ações e movimentos,
devido a fragmentação e racionalização do trabalho, que por sua vez
contribuíram para que o trabalhador perdesse a ideia do todo e consequentemente, o sentido do seu trabalho.
À época, tudo o que se exigia do
trabalhador industrial era a sua racionalidade, capaz de responder ao trabalho
rotineiro e burocrático. Porém, uma vez que o ser humano é integral, composto
por razão, emoção e espírito, fragmentá-lo privilegiando apenas seu aspecto
racional, desconsiderando suas subjetividades, submetendo-o inclusive, a condições
inumanas de trabalho, o conflito de interesses foi inevitável.
Nesse contexto desarmonioso entre
empregados e empregadores, havia quem defendesse trabalho rotineiro e seriado importante
para o aprendizado, em virtude de considera-lo fraterno e sereno. Por outro
lado, discordâncias acerca desse pensamento surgiam e apontavam no sentido de
que esse tipo de trabalho produzia o embrutecimento do trabalhador a ponto de torna-lo
estúpido e ignorante devido a simplicidade e repetição das tarefas, levando-o ao
tédio e a insatisfação.
Para comprovar os males que o trabalho
rotineiro causava nos trabalhadores, Elton Mayo, realizou um experimento em
Hawtorne, em que constatou o fato. Logo, considerou que seria necessário humanizar
os ambientes de trabalho a fim de proporcionar benefícios para as organizações
e reduzir o tédio, o estresse e os demais prejuízos para os trabalhadores. No
entanto, sua recomendação parece não ter reverberado o quanto poderia, pois, as
organizações continuaram a desconsiderar a subjetividade do trabalhador, à
medida que ampliaram os leques de controle das ações dos indivíduos no cenário
laboral, investindo cada vez mais na racionalidade exacerbada para a execução
das tarefas.
Nessa seara, o advento tecnológico surge
como, mais um instrumento de controle nas organizações, aumentando o
monitoramento sobre as ações dos trabalhadores a partir da vigilância constante
de máquinas, equipamentos e aparelhos eletrônicos. Diante disso, afloram
inquietações na academia, acerca das ideias de Michel Foucault sobre disciplina,
poder, vigilância, adestramento e corpos dóceis, atreladas a relação entre
organizações e trabalhadores.
A função primordial das organizações é
gerar riqueza para seus proprietários. Para isso, busca-se investir em
mecanismos que permitam controlar todas as variáveis do processo produtivo,
inclusive as pessoas. Contudo, controlar pessoas não parece ser uma tarefa fácil,
haja vista que são únicas e carregam consigo uma junção de subjetividade e
objetividades, que as diferenciam, tornando a forma como desempenham as tarefas,
algo inimitável.
Assim, observa-se que, com o intuito
de controlar exacerbadamente as pessoas, as organizações têm evoluído suas
técnicas adotando maior racionalização, a fim de adestrar os trabalhadores. Dessa
forma, buscam docilizar os corpos através da imposição de comportamentos
padronizados (gestos, movimentos, atitudes e rapidez) na execução das tarefas.
Não obstante a isso, a forma como os trabalhadores são distribuídos
(quadriculamento) no ambiente organizacional, permitindo a localização imediata
deles, de modo a “constatar a presença; a aplicação do operário; a qualidade do
seu trabalho; comparar os operários entre si; classificá-los segundo sua
habilidade e rapidez; e acompanhar os sucessivos estágios da fabricação”,
também é um instrumento de controle.
Ainda na busca por auferir maiores
lucros, as organizações passaram a capitalizar s disciplina através da decomposição
do tempo em sequências separadas e ajustadas; da organização das sequências
seguindo um sistema analítico; da finalização dos segmentos temporais com
avaliação dos seus conhecimentos; e do estabelecimento de séries de séries, para
categorizar os trabalhadores.
Os instrumentos de adestramento e
controle versam na direção de detectar e punir irregularidades de
comportamentos: A vigilância hierarquizada (ver sem ser visto) atua como
identificadora de desvios de comportamentos (atrasos, negligências, grosserias,
dentre outras); a sanção normalizadora, pune pelo desvio cometido. Todo o
controle visa modelar o trabalhador conforme as regras da organização, pois
“castigar é exercitar” o poder que se tem sobre os corpos dóceis e submissos.
Fazendo uma analogia entre a
vigilância constante, realizada pelas organizações em direção aos
trabalhadores, nota-se semelhança com o panóptico de Bentham – um instrumento
capaz de vigiar a todos, de forma individualizada, com o intuito de disciplinar
e conduzir os corpos. Nas organizações, o panóptico se descreve à medida em que
os processos e a tecnologia se conectam para controlar e monitorar as pessoas,
seja por intermédio de senhas, câmeras de vigilância, vigilância do supervisor
e até mesmo do colega de trabalho.
Diante disso, percebe que os ambientes
organizacionais têm se traduzido em locais de vigilância permanente, com
dispositivos que mantém o “controle minucioso das operações do corpo, que
realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade”, descrevendo a intenção das organizações em disciplinar e
docilizar os trabalhadores, com treinamentos, controles de entrada e saída,
senhas diversas, manuais de comportamento, dentre outros.
Logo, quando se tem um controle
exacerbado das ações do indivíduo, é retirado dele a sua autonomia e com isso a
organização perde em termos de criatividade e inovação na execução das tarefas e
o trabalhador vê cerceada a sua vontade de se expressar, além de sentir-se
estressado por conta das pressões sofridas que desencadeiam uma série de
mazelas oriundas desse tipo de trabalho, tornando o ambiente laboral propício
ao sofrimento.
O conceito do sistema de
gratificação-sanção, que gratifica as boas ações e pune as más, é revelado no
contexto organizacional, à medida que se bonifica o indivíduo por atingir as
metas traçadas (gratificação), enquanto que a sanção se traduz pelo próprio sistema
de classificação das gratificações, que por si só, já representa uma punição.
De todo o contexto, entende-se o trabalho
como importante tanto para as organizações, quanto para os trabalhadores, as primeiras
visam auferir maiores lucros e os últimos mantém com o trabalho, uma relação que
vai além do aspecto salarial, pois algumas pesquisas apontam que, mesmo sem ter
mais a necessidade financeira, as pessoas desejam continuar trabalhando, pois
sentem-se úteis e partícipe de uma comunidade.
Portanto, se para o trabalhador, o
trabalho ultrapassa os limites da racionalidade, atingindo seus desejos mais
ocultos, é preciso que a subjetividade seja vista como um fator relevante na
relação empregado-empregador. Dito isso, encontrar formas de realização do trabalho
que considerem a vida interior do trabalhador, ou seja, a sua dimensão
espiritual, pode ser o caminho para minimizar os conflitos gerados pela
desconsideração da subjetividade do indivíduo nas organizações.
Nessa conjuntura, surge a
espiritualidade nas organizações, indicando que o trabalhador tem uma vida
interior que precisa ser nutrida por um trabalho que possua: significado; senso
de pertencimento; alegria; valorização do trabalhador; diminuição da competição
interna; e diminuição da carga de trabalho. A espiritualidade não versa no
sentido de catequizar as pessoas, mas lhe proporcionar maior liberdade e
flexibilidade, tornando-a diferente da religião que é dogmática e pouco
flexível.
Para implantar a espiritualidade no
cenário organizacional, é necessário mudar os valores organizacionais
(percepções dos trabalhadores acerca da organização) haja vista que eles descrevem
as necessidades das organizações e dos trabalhadores. Dito isso, quando as
necessidades dos indivíduos são respeitadas, a tendência é a de que se sintam
satisfeitos, comprometidos e felizes, logo, se felizes e comprometidos, a
consecução das metas organizacionais será facilitada.
Portanto, de tudo o que foi descrito,
considerar a subjetividade do trabalhador no ambiente organizacional é condição
sine qua non para que se obtenha um
salto quântico na relação empregado-empregador, de modo a proporcionar melhorias
para todos os envolvidos, e inclusive, contribuir para a desalienação do
trabalho através da participação do trabalhador na elaboração e compreensão das
tarefas na sua totalidade, resgatando para si, o sentido do trabalho.
AUTORA: Elisângela Julião (Mestre em administração, Administradora, Consultora organizacional, Pesquisadora do comportamento humano nas organizações e Professora do nível superior).
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4340503567700527
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4340503567700527
REFERÊNCIAS
AKTOUF, O. A administração
entre a tradição e a renovação. Organização, adaptação e revisão Tradução: Roberto
Fachin e Tânia Fischer. São Paulo: Atlas,
2010.
ASHMOS, D.P.; DUCHON,
D. Spirituality at work: A conceptualization and measure. Journal of Management Inquiry, v. 9, n. 2, p. 134-145, 2000.
BEZERRA, M. F. N.;
OLIVEIRA, L. M.B.. Espiritualidade nas Organizações e Comprometimento Organizacional.
Estudo de Caso com um Grupo de Líderes de Agências do Banco do Brasil na cidade
de Recife. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ADMINISTRAÇÃO, 31., 2007. Anais...
2007.
Chanlat, J. F. Por uma Antropologia da condição humana nas organizações.
In: CHANLAT, J. F. (Coord.). O indivíduo
na organização: dimensões esquecidas. Tradução de Ofélia de Lanna Sette
Tôrres. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996. v. I.
DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Prod., São Paulo,
v. 14, n. 3, p. 27-34, dez. 2004 .
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: nascimento da prisão.
Trad. Lígia M. Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.
ORNELLAS, T.C.F.; MONTEIRO, M.I. Aspectos históricos, culturais e
sociais do trabalho. Rev. bras. enferm. [online]. 2006,
vol.59, n.4, pp. 552-555. ISSN 1984-0446.
Pauchant, T. et associes. Pour un management éthique et spirituel,. Défis, cas, outils et
questions. Montréal: Fides et Presses HEC, 2000.p. 13-46
RAMOS, G. Uma introdução ao
histórico da organização racional do trabalho. 1.ed. Brasília: Conselho
Federal de Administração, 2008.
Sennett, R. A corrosão do caráter: as consequências
pessoais do trabalho no novo capitalismo. Tradução Marcos Santarrita. – 14ª Ed.
- Rio de Janeiro: Record, 2009.
Tamayo, A. Valores organizacionais. In:
Tamayo, A.,Borges-Andrade, J. e Codo, W. (Orgs.). Trabalho, organizações e cultura. ANPEPP. São Paulo: Cooperativa
de autores associados. Vol. 1, n.11.
3 comentários:
Muito bom, parabéns.
Muito bom, parabéns.
Ótimo texto professora, acredito que algumas empresas já possuem essa visão mas o cenário para o trabalhar, principalmente o brasileiro ainda é de uma ferramenta que desvaloriza-se rapidamente!
Postar um comentário